domingo, 6 de março de 2011

PARSIFAL – Gran Teatre del Liceu, Barcelona, Fevereiro de 2011

(review in English below)

Apesar de o meu amigo e colega de blogue wagner_fanatic ser o grande especialista em Wagner, ter também visto este Parsifal e ter escrito uma crítica soberba no blogue, o impacto que o espectáculo me causou leva-me a também escrever sobre ele. Os nossos caros leitores terão, assim, duas opiniões, a do sapateiro e a do remendão.

Se as obras de Wagner não são de encenação fácil, Parsifal é das que coloca maiores desafios aos encenadores. A opção é frequentemente pelo minimalismo simbólico e metafórico, deixando para a orquestra e cantores todo o foco da atenção.


O encenador Claus Guth concebeu um espectáculo deslumbrante, num palco rotativo com os cenários em dois andares, em mudança e evolução constantes.

A acção foi situada no início do Século XX, num hospital onde se tratam feridos da grande guerra. Tudo roça o insuperável na encenação onde as mudanças cénicas são constantes, numa sequência coerente, requintada e explícita. Entre muitos outros focos de interesse, merecem relevo o sofrimento atroz de Amfortas com a ferida que não sara, Gurnemanz como guardião do Graal e de outras relíquias, a entrada de Kundry quando portadora do bálsamo para Amfortas, a simplicidade inocente de Parsifal após ter morto do cisne, a postura intimidadora de Klingsor de lança sagrada em punho, a sedução (não conseguida) de Parsifal pelas Flores trajadas a rigor num cenário festivo requintado da época, o beijo de Kundry a Parsifal e seu despertar posterior, o ritual de purificação de Parsifal, a morte de Titurel e o final redentor. Enfim, um espectáculo perfeito, deslumbrante, arrebatador e, verdadeiramente, uma revolução na difícil arte de encenar Wagner.


as Flores

Continuando em tom laudatório, passo aos cantores:

Gurnemanz foi interpretado pelo baixo alemão Hans-Peter König. A voz é de uma beleza e potência arrepiantes, sempre afinada e mantendo uma qualidade tanto no registo mais grave como no mais agudo como raramente tenho ouvido.


Anja Kampe foi uma Kundry arrebatadora. Perfeita cenicamente, ofereceu-nos um soprano de grande qualidade. Voz cheia, forte, capaz de transmitir todas as emoções da personagem. Fantástica!


Amfortas, interpretado pelo baixo-barítono americano Alan Held, foi a encarnação perfeita do homem em sofrimento dilacerante. Vocalmente firme e emotivo, sempre bem audível, foi outro grande intérprete da noite.


Parsifal foi o tenor alemão Klaus Florian Vogt. Foi a primeira vez que vi este cantor ao vivo e tive uma surpresa considerável. A figura, sem a agilidade requerida, adapta-se bem ao papel. Mas o mais importante é a voz. O timbre é claro e a voz é fresca, de uma beleza e lirismo invulgares. Contudo, como referiu o wagner_fanatic, cantava de forma não apropriada para o papel e eu achei que, ocasionalmente, lhe faltava potência porque era afogado pela orquestra quando soava forte. Com o progredir da récita foi crescendo, mais em “jeito que em força”, denotando uma técnica de qualidade e sem nunca recorrer à estridência. Mas confesso que esperava mais, sobretudo no 2º acto.


Klingsor foi John Wegner, barítono alemão. Esteve também muito bem, a um nível qualitativo elevado mas, de entre os protagonistas, foi o menos marcante.


Ante Jerkunica, baixo croata, foi um Titurel de excepcional qualidade vocal e imponente presença em palco.


Finalmente a orquestra (Orquestra Sinfónica do Gran Teatre del Liceu) e os coros (Coro do Gran Teatre del Liceu e Coro de Câmara do Palau de la Música Catalana) tiveram também desempenhos exemplares. Ouviu-se Wagner de grande qualidade no Liceu de Barcelona e o maestro Michael Boder teve uma responsabilidade major.



Após cair o pano o público explodiu num estrondoso aplauso que se manteve por largos minutos, apesar do adiantado da hora, obrigando a várias chamadas ao palco dos cantores e maestro.


Uma obra prima no Liceu a colocar a fasquia da qualidade de tal forma elevada que dificilmente será superada em qualquer outro teatro de ópera. Um espectáculo perfeito e completo, para encher os ouvidos, os olhos e a alma!
*****



Parsifal - Gran Teatre del Liceu, Barcelona, February 2011


My friend and colleague in this blog wagner_fanatic is the big expert on Wagner, he has also seen this Parsifal and he wrote a superb review on in in this blog. However, the impact that the performance caused me leads me to also write about it. Our dear readers will thus have two reviews, one form the expert and another from the amateur.

If Wagner's works are not easy to stage, Parsifal is one that poses the greatest challenges for directors. The option is often symbolic and metaphorical by a minimalistic approach, leaving to the orchestra and singers all the focus of attention.

Stage director Claus Guth conceived a dazzling staging on rotary scenarios at two levels in height, in constant change and evolution. The action was situated at the beginning of the twentieth century, in a hospital treating wounded people from the great war.

All events were unsurpassed in the scenic option where changes were constant in a coherent, refined and explicit sequence. Among many other points of interest I highlight the appalling suffering of Amfortas with the wound that will not heal, Gurnemanz as guardian of the Grail and other relics, the entry of Kundry with the balsam for Amfortas, the innocent simplicity of Parsifal having killed the swan, the steady posture of Klingsor with the holy spear in hand, the (not achieved) seduction of Parsifal by the Flowers dressed in an exquisite setting of a sophisticated party, the kiss of Kundry and the awakening of Parsifal, the purification ritual for Parsifal, the death of Titurel, and the redeeming end. In summary, a perfect, gorgeous and stunning performance. Truly a revolution in the difficult art of staging Wagner operas.

Continuing laudatory in tone, a few words about the singers:

Gurnemanz was interpreted by the German bass Hans-Peter König. The voice is of an exquisite beauty and power, always in tune and maintaining a high quality both in the lower and in the top notes, as I have rarely heard.

Anja Kampe was a fabulous Kundry. Artistically perfect, she offered us a soprano of great quality. The voice if full, strong, and is able to convey all the emotions of the character. Fantastic!

Amfortas, interpreted by American bass-baritone Alan Held, was the perfect image of heartbreaking human suffering. Vocally he was strong and emotional, always very audible. He was another great performer of the night.

Parsifal was sung by the German tenor Klaus Florian Vogt. It was the first time I saw him live and I had a considerable surprise. The figure adapts well to character, although without the agility required. But the most important is the voice. The timbre is light and the voice is fresh and of an unusual lyrical beauty. However, as wagner_fanatic mentioned, he does not sing in the most appropriate way for the character, and I found that occasionally he lacked power because he was drowned by the orchestra when it sounded louder. While the performance progressed he sounded better, denoting a high technical quality, never resorting to stridency. Anyway I was expecting better, mainly in Act 2.

Klingsor was German baritone John Wegner. He was also very good, but the less impressive among the soloists.

Ante Jerkunica, Croat bass, was an exceptional Titurel showing an astonishing voice quality and stage presence.

Finally the orchestra (Symphony Orchestra of the Gran Teatre del Liceu) and choirs (Chorus of the Gran Teatre del Liceu and the Chamber Choir of the Palau de la Musica Catalana) were also fabulous. We had the privilege of listening to Wagner's great musical quality at the Liceu in Barcelona and maestro Michael Boder had a great responsibility on that.

After the curtain fall, the audience burst into a thunderous applause that continued for several minutes, despite the late hour, forcing several curtain calls of the singers and conductor.

A masterpiece in the Liceu set the level of quality so high that it can hardly be surpassed in any other opera house. A perfect and complete performance, to fill your ears, eyes and soul!
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3 comentários:

  1. Caro FanaticoUm,

    Obrigado pelo relato da sua experiência. Bem sei que não é a sua obra favorita, nem o seu compositor operático favorito mas fico contente que tenha gostado e que tenha vibrado tanto quanto eu com esta soberba produção.

    Terá sido um passo em frente para vivenciar mais o Parsifal no futuro? :)

    As fotos estão fantásticas!

    Quando li a sua crítica, fechei os olhos e parece que ainda estou lá, naquele teatro, naquele hospital, naquele mundo... Continuo a achar que foi a melhor produção wagneriana que assisti até hoje.

    Cumprimentos musicais.

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  2. Caro wagner_fanatic,
    Um elogio da sua parte sobre este texto é um encorajamento enorme para um leigo em Wagner como eu. Tenho-me esforçado muito, como sabe, mas ainda não consegui atingir aquele clímax desejável.
    À medida que o tempo passa (assisti à estreia deste Parsifal, por isso, já há muitos dias) também deixei de ter dúvidas que assisti à melhor pordução wagneriana de sempre e a uma das que nunca mais vou esquecer de entre todos os espectáculos de ópera que já tive a sorte de ver (e já vi alguns!).
    Cumprimentos musicais e, mais uma vez, parabéns pelo melhor texto escrito neste blog - a sua crítica a este Parsifal.

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  3. Caro Fanático,
    mais uma soberba crítica musical! Agrada-me seu estilo direto e competente. Gosto mais ainda porque sou Wagneriano também ( como seu companheiro de blog ).
    Um abraço

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