terça-feira, 22 de maio de 2012

La Rondine, Teatro de São Carlos, Lisboa, Maio de 2012



(text in english below)

La Rondine é uma ópera (commedia lirica) de G. Puccini com libretto de A.M. Willner e Heinz Reichert. É mais uma história de um amor que acaba mal mas, neste caso, sem a morte da protagonista.

A obra musical, de grande beleza melódica, insere-se no verismo, os protagonistas são pessoas simples, o amor é mundano. Tem muitas semelhanças com La Bohème: o café Bullier (Momus), o casal principal Magda e Ruggero (Mimí e Rodolfo) “apoiado” no secundário Lisette e Prunier (Musetta e Marcello).


 A acção passa-se em Paris no Século XIX. Magda é uma cortesã amante de Rambaldo, um banqueiro. Prunier, um poeta, compara-a a uma andorinha (La Rondine) em busca do amor. Apaixona-se pela criada Lisette. Chega o jovem Ruggero e todos vão festejar para o café Bullier. Magda, disfarçada de Paulette, vai ao café e apaixona-se por Ruggero. É reconhecida e diz a Rambaldo que encontrou o amor verdadeiro. Este tenta uma reconciliação, mas em vão. Ruggero, apaixonado, diz a Magda que mãe lhe deu permissão para se casar. Magda recusa e afasta-se, com medo de revelar o seu passado e, com ele, arruinar a vida de Ruggero.


A encenação de Nicola Raab é vistosa e curiosa. A acção foi transportada para o início do Século XX. Recorre-se à evocação do passado, Magda escreve as suas memórias e revive cenas passadas ao longo da acção. O primeiro acto passa-se num salão na sua casa. Há inúmeras caras pintadas em panos suspensos, que permanecerão ao longo de toda a récita. Possivelmente evocam personagens da vida de Magda. O segundo acto, no café Bullier, é muito semelhante ao 2º acto de La Bohéme, no café Momus. A encenação é muito bem conseguida e a intervenção do coro é, aqui, notável. No último acto, na Côte d’Azur, o palco aparece despido, apenas com uma cadeira de praia e um gurada-sol e, suspensos, vários objectos (mesa, cadeiras, piano, bicicleta, janelas). De novo as memórias do passado.


 O maestro argentino José Miguel Esandi dirigiu superiormente a Orquestra Sinfónica Portuguesa que teve uma das suas melhores actuações nesta temporada. Também o Coro do Teatro Nacional de São Carlos esteve muito bem.


 Em relação aos solistas, tivemos uma interpretação integralmente assegurada por cantores portugueses, facto que merece apreço. Tenho tido o privilégio de ouvir ao vivo os maiores cantores da actualidade e, de facto, há uma diferença considerável. Mas o espectáculo foi agradável e digno.

O soprano Dora Rodrigues interpretou Magda com sobriedade e boa presença cénica. O papel é extenso e a cantora manteve a qualidade de interpretação ao longo da récita. Contudo, não conseguiu transmitir a leveza e doçura necessárias em certas partes e, nomeadamente, não brilhou na belíssima aria Chi il bel sogno di Doretta.


 A Lisette de Carla Caramujo (soprano) foi mais irregular, alternando intervenções interessantes com outras em que mal se ouvia. Em cena esteve também credível.


 Luís Rodrigues (barítono) foi um Rambaldo de qualidade. O papel é pequeno mas a voz é bem timbrada e esteve sempre bem colocada.


 Ruggero foi interpretado pelo tenor Mário João Alves. Foi o cantor mais frágil da noite. Teve grandes problemas em projectar a voz que, frequentemente, não se ouvia. Quando subia a notas mais elevadas, perdia qualidade. A interpretação cénica foi estática.


 O tenor Marco Alves dos Santos, como Prunier, foi o melhor da noite. Mostrou uma potência vocal assinalável, timbre agradável e boa presença em palco.


 Outros cantores em palco tiveram interpretações curtas mas dignas: Cristiana Oliveira, Sofia de Castro, Ana Ferro, Bruno Almeida, Hugo Oliveira, Nuno Dias, Daniel Paixão, Filipa Lopes, Nuno Cardoso e Costa Campos.






Recomendo também a leitura do texto do Plácido Zacarias no blogue Opera Lisboa.


Em tempos de crise, um espectáculo como este é digno, repito, e satisfaz as necessidades do público (que não compareceu em peso) e dos músicos envolvidos. Tudo se deveria fazer para, pelo menos, manter produções como esta no nosso único teatro nacional de ópera. A opção pela não programação (ou corte acentuado) de uma temporada lírica seria uma morte cultural anunciada, indígna de um País como o nosso.

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La Rondine, Teatro de São Carlos, Lisbon, May 2012

La Rondine is an opera (commedia lirica) by G. Puccini with libretto by A.M. Willner e Heinz Reichert. It's a story of a love that ends badly, but in this case without the death of the protagonist. The musical work is of great melodic beauty and belongs to the verismo. The characters are simple people, love is mundane. It has many similarities with La Bohème: café Bullier (Momus), the main couple Magda and Ruggero (Mimi and Rodolfo) "backed" on the secondary couple Lisette and Prunier (Musetta and Marcello).

The action is set in Paris in the nineteenth century. Magda is a courtly lover of Rambaldo, a banker. Prunier, a poet, compares her to a swallow (La Rondine) in search of love. He falls in love with her maid Lisette. A young man, Ruggero, arrives and everyone will celebrate in café Bullier. Magda, disguised as Paulette, goes to the café and falls in love with Ruggero. She is recognized by all and tells Rambaldo she found true love. He attempts reconciliation, but in vain. Ruggero, passionate, says Magda that his mother gave him permission to marry. Magda refuses and walks away, afraid to reveal her past and with it, ruining the live of Ruggero.

The staging by Nicola Raab is showy and curious
. The action was taken to the early twentieth century. Drawing on evocation of the past, Magda writes her memories and relives past episodes along the performance. The first act is set in a room in her home. There are numerous faces painted on suspended panels, which will remain throughout the performance. Possibly they reflect past people in the life of Magda. The second act, in café Bullier, is similar to the 2nd act of La Bohème, in café Momus. The staging is very efficient and the intervention of the chorus is remarkable here. In the last act, in the Côte d'Azur, the stage appears empty, only with a beach chair and an umbrella, and suspended several objects (table, chairs, piano, bike, windows). Past memories again.

Argentine maestro José Miguel Esandi directed superiorly the Orquestra Sinfónica Portuguesa which had one of its best performances this season. Also the Chorus of the Teatro Nacional de São Carlos was very good.

In relation to the soloists, we had a full interpretation by Portuguese singers, a fact which deserves appreciation. I have had the privilege of hearing live the greatest singers of our time and in fact there is a considerable difference. But the performance was nice and decent.

Soprano Dora Rodrigues played Magda with sobriety and good stage presence. The singing demand is big and the artist has kept the quality of interpretation throughout the performance. However, she did not manage to convey the lightness and sweetness required in certain parts, and in particular, she was not brilliant in the beautiful aria Chi il bel sogno di Doretta.

Soprano Carla Caramujo’s Lisette was more irregular, alternating interesting interventions with others where she could barely be heard. On stage she was also credible.

Baritone Luís Rodrigues was a good quality Rambaldo. The role is small but the voice has a nice timbre and was always well audible.

Ruggero was played by tenor Mario João Alves. He was the weakest performer of the night. He had great problems in projecting the voice, which often was not audible. When he sung top notes, he lost quality. Artistically he was very static.

Tenor Marco Alves dos Santos, as Prunier, was the best singer of the night. He sowed a remarkable vocal power, nice tone and good stage presence.

Other singers on stage had short but dignified interpretations: Cristiana Oliveira, Sofia de Castro, Ana Ferro, Bruno Almeida, Hugo Oliveira, Nuno Dias, Daniel Paixão, Filipa Lopes, Nuno Cardoso and Costa Campos.

In times of crisis, a performance like this is worthy, I repeat, and meets the needs of the public and of the musicians. Everything should be done to, at least, keep productions like this one in our only national opera theater. The option of not programming (or sharp cutting) of an opera season would be an announced cultural death, unworthy of a country like ours.
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4 comentários:

  1. Ainda não tive oportunidade de assistir a "La Rondine". Obrigado pela sua opinião.

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  2. Conquanto, dramaticamente, pouco consequente, a orquestração é absolutamente primorosa no estabelecimento de uma paisagem sonora consentânea com os estertores da "belle époque", tornando-se, igualmente, possível entrever uma subtil deferência ao impressionismo característico de Debussy.

    Em termos vocais, Dora Rodrigues exibiu-se em bom plano, pese embora a tessitura do papel extravasasse, amiúde, as suas capacidades vocais, designadamente, no registo agudo.

    Em Ruggero, Mário João Alves sucedeu em debelar, parcialmente, uma insistente fragilidade na coluna de som que comprometeu, em última instância, uma projecção optimizada, bem como a integral consistência da linha de canto.

    Superior Marco Alves dos Santos em Prunier, ostentando um instrumento de timbre prazenteiro, homogéneo e eivado de notável lirismo numa abordagem de manifesto engajamento dramático. Porventura, um Ruggero preferencial.

    Agradável Carla Caramujo na esfuziante “coquetterie” de Lisette, em eficaz contracena com Prunier.

    Os demais intérpretes exibiram-se em plano razoável, avultando Luís Rodrigues numa sólida assunção do papel de Rambaldo.

    Nota: as observações precedentes reportam-se à audição da transmissão radiofónica.

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  3. Destaque-se ainda, em forma de adenda, a belíssima direcção orquestral a cargo de José Miguel Esandi, hábil na extracção do jorro dúctil que brota copiosamente da grácil e sacarívora melodia pucciniana.

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  4. Obrigado pela sua cuidada critica com a qual estou de inteiramente de acordo. Estive ontem no SC. Tive a oportunidade de ouvir ao vivo no MET uma excelente LA Rondine em Janeiro de 2009 com Angela Gheorghiu no papel principal e a cenografia de Nicolas Joel. São mundos diferentes. Mas Lisboa não é NY. Sublinho a sua conclusão de não aceitar o fechar a programação futura. Para onde foi a assistência do São Carlos ?

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