terça-feira, 26 de agosto de 2014

LOHENGRIN, Teatro Real, Madrid, Abril de 2014


(Review in english below)

A encenação de Lukas Hemleb não é nada de especial em termos de cenário. Um ambiente escavado numa rocha, com a imagem de um cavaleiro e alguns buracos, um bloco de gelo que aparece quando o Lohengrin aparece no primeiro acto, mantém no segundo com uma imagem de corpo no interior e que se está à espera que dali saia o irmão de Elsa no final da ópera mas assim não acontece, deixando o Lohengrin um estátua de uma figura disforme em bronze. Não percebi a ideia. O que achei excelente foi a direção de actores. Tudo tem sentido, tudo flui em termos teatrais e em cada personagem e nada é inconsequente. São as tais encenações emocionalmente apaixonantes.




A Orquestra do Teatro Real está muito boa em Wagner mas não escapou a 5 fífias dos metais, felizmente em alturas menos relevantes. O que foi de desmaiar foi o final do segundo acto: excelente a todos os níveis, o primeiro acorde do órgão espectacular com os graves a reverberar por todo o teatro como eu nunca tinha sentido. Era acima de tudo o órgão a brilhar naquela altura e, num instrumento que deve ter só 4 acordes nesta obra e nesta passagem, o homem falha-me as notas do 2o acorde!!! Como é possível!!! Ficou horrível mas lá acertou no final e sempre acabou tudo como escrito. Para lembrar para sempre.



A direção de  Hartmut Haenchen foi segura e experiente e, na minha opinião, acho que podia ter desacelerado mais na marcha da Elsa no 2o acto. Teria ficado ainda mais bonito.

Os cantores:
Duas estrelas brilharam e que foram Christopher Ventris e Thomas Johannes Meier. Ventris fez um Lohengrin fantástico, com uma estabilidade e segurança vocal do início ao fim, com um tom menos angelical e límpido que o Klaus Florian Vogt, mas com aquele toque baritonal que eu prefiro nestes papéis. Deu para ver o quão difícil este papel é em termos vocais e, embora não parecesse em esforço, acredito que não possa cantar muitas vezes este papel sob pena de estragar a voz (e não sei como esta vai ficar quando terminarem as récitas). Deu-nos um Lohengrin muito humano, com muito contacto físico com Elsa, e não o habitual cavaleiro meio sem demonstrar sentimentos e muito distante na pose meio militar. Isto claro, é também da própria encenação. É um Lohengrin que ama, que sofre e passa isso para quem vê e ouve.


Thomas Johannes Meier (Friedrich von Telramund) soberbo vocalmente e na interpretação simplesmente espectacular e sem nada a apontar de negativo. Um actor exímio aliado a uma voz perfeita.

O rei Heinrich foi Franz Hawlata, Gosto de Reis com mais profundidade vocal que este e no início estava com um vibrato irritante mas que se perdeu progressivamente. Cenicamente muito bem.
O arauto (Anders Larsson) foi o mais fraco dos homens, com timbre não muito bonito e sem força requerida.



Nas mulheres dois problemas: Deborah Polaski bem na malvadez de Ortrud mas, se bem no registo médio e baixo, os agudos soam estridentes e onde se perde qualidade vocal.


Catherine Nagelstad esteve talvez melhor no terceiro acto isto porque foi neste que melhor conseguiu "DesBrunnhildizar" a sua interpretação. Não a achei capaz de colocar a inocência de Elsa na voz não obstante ter cenicamente estado excelente. Acho que cantar Wagner tem um rumo e, depois de se cantar várias vezes a Brunnhilde ou a Isolda, por exemplo, já não se pode voltar a personagens mais inocentes como a Elsa, a Elisabeth, a Senta. Consegue-se cantar, claro, mas o efeito de credibilidade vocal não vai com muita probabilidade lá estar. O resultado foi alguma rudeza de timbre que só no terceiro acto me pareceu ser ultrapassada.





Texto de wagner_fanatic.


Lohengrin, Teatro Real, Madrid, April 2014

The staging by Lukas Hemleb is nothing special in terms of scenery. An environment excavated in the rock, with the image of a knight and a few holes, a block of ice that appears when Lohengrin appears in the first act, remains in second with an image of the body on the inside and who is waiting to get out of there the brother of Elsa at the end of the opera, that does not happen. Lohengrin leaves one statue of a shapeless figure in bronze. I did not understand the idea. However, what was excellent was the direction of singers. Everything makes sense, everything flows in theatrical terms and in each character and nothing is inconsequential. It was one of those emotionally enthralling performances.

The Orchestra of the Teatro Real is very good in Wagner but could not escape 5 failures in the metals, fortunately in less relevant parts. What was terrible was the end of the second act: excellent at all levels, the first chord of the great organ with bass to reverberate throughout the theater as I had never felt. It was, above all, the shining of an instrument at that momen,t and an instrument that should have only 4 chords in this work. But in this passage the player fails the second chord notes! How is it possible!!! It was awful but there at the end it finished as it is written. To remember forever.

The musical direction by Hartmut Haenchen was strong and experienced and, in my opinion, I think he could have slowed more the march of Elsa in the second act. It would have been even more beautiful

The singers :
Two stars shone, and were Christopher Ventris and Thomas Johannes Meier . Ventris did a fantastic Lohengrin, with a vocal stability and security from start to finish, with a less angelic and limpid tone than Klaus Florian Vogt, but with that baritonal touch I prefer in these roles. I could see how difficult this role is vocally and, although this seems to work, I believe that he can not sing this role often, with the risk of damaging his voice (and I do not know how this will sound after the performances). He played a very human Lohengrin, with much physical contact with Elsa, and not the usual knight without showing feelings and far away from the military attitude. This is also due to the staging itself. Lohengrin is a loving, suffering being and he passes it to anyone who sees and hears him.

Thomas Johannes Meier (Friedrich von Telramund) was vocally superb and simply had a spectacular performance. An excellent actor combined with a perfect voice.

King Heinrich was Franz Hawlata. I like kings with more vocal depth and in the beginning he had an annoying vibrato that was gradually lost. Very well on stage. 
The Herald (Anders Larsson) was the weakest of men, with a not very beautiful timbre and without the required strength.

In women two problems: Deborah Polaski was well as the wicked Ortrud but, although well in the middle and low registers, the top notes were shrill and vocal quality was lost.

Catherine Nagelstad was perhaps better in the third act because it was in this act that she could sing away from Brunhilde stile in her interpretation . She was not able to put the innocence of Elsa's voice notwithstanding scenically have been excellent. I think singing Wagner has a course and, after singing several times Brunnhilde or Isolde, for example, one can no longer return to more innocent characters like Elsa, Elisabeth or Senta. It is possible to sing, of course, but the effect of vocal credibility will very likely not be there. The result was some harshness of tone that only in the third act seemed to be overcome.


Review by wagner_fanatic.

2 comentários:

  1. I am stopping by to say hello. Your posts continue to be extremely interesting to me. I have learned so much from your blog.

    ResponderEliminar
  2. Caro wagner_fanatic,

    Entretido a passear pelas páginas do vosso blog (que só há pouco tive o privilégio de conhecer), foi apenas agora que tive a oportunidade de ler esta sua magnífica apreciação do Lohengrin no Teatro Real.

    E achei excelente a sua afirmação de que não percebeu a ideia do encenador. Nem eu, deixe-me acrescentar, pois tive também a possibilidade de ver este espectáculo, embora com o elenco alternativo de cantores, em 6 de Abril passado.

    Fui portanto às minhas gavetas procurar o que tinham sido as minhas impressões desse espectáculo que, confesso, não ficou gravado na minha memória episódica.
    E ao relê-las achei que seria interessante mostrar-lhas, sobretudo porque a concordância geral acerca da encenação nem sempre radica, como verá, nos mesmos pressupostos.

    Um Lohengrin troglodita, tal a impressão final com que se fica depois de ver esta nova produção da ópera de Wagner que o Teatro Real apresentou, supostamente por escolha de Gérard Mortier.

    Confesso que, no final do espectáculo, tive dificuldade em descobrir razões válidas para a escolha da equipa responsável pela vertente cénica: o encenador Lukas Hemleb e o cenógrafo Alexander Polzin, ambos alemães.

    É que tudo se passa em uma vasta caverna com múltiplas aberturas (galerias ou janelas) cujas paredes e pavimento se assemelham, na sua contextura, às paredes das pedreiras modernas, sulcadas pelos riscos paralelos dos dispositivos de corte das rochas em uso nesses locais.

    E logo pensei que esta localização cavernícola poderia ser magnificamente aproveitada para o desenrolar da tragédia do cavaleiro do Graal: basta recordar a alegoria platónica para imaginar facilmente o que poderia ter sido feito, se cenógrafo e encenador porventura tivessem considerado tal hipótese de trabalho.

    Mas infelizmente tal não parece ter acontecido. E na verdade, quando constatamos que o cenógrafo é também escultor de profissão, a compreensão da escolha infelizmente parece mais prosaicamente evidente.

    E é pena. Se no final o cisne/menino (Gottfried) é personificado por uma escultura abandonada no meio do palco, como simples ídolo dourado de tosca fábrica ali deixado para adoração, durante parte importante dos dois primeiros actos esse mesmo local é ocupado por um monolito branco, brilhante, dentro do qual parece estar encerrado Gottfried.

    Este monolito remete (deliberadamente?) de imediato para o filme de Stanley Kubrick (2001), e por essa razão perde completamente a dimensão transcendental que o modelo cinematográfico encerra, e que provavelmente teria sido o motivo da sua colocação em cena aqui.

    Veja a fotografia que inseriu no seu texto, e recorde a famosa sequência do filme (em que a música não é Wagner, mas Richard Strauss).

    Deste modo se revela o simplismo subjacente à concepção global do espectáculo.
    Na vasta caverna deambulam os figurantes do coro como grupos de mineiros sem capacete, e os personagens principais posicionam-se como estátuas em locais demarcados, testemunhando em meu entender, e ao contrário do que lhe pareceu, uma completa ausência de um trabalho de direcção de actores. Eles apenas foram posicionados ali, sem mais.

    A este panorama cénico correspondeu no entanto, apesar de tudo, alguma qualidade da vertente musical. Penso porém que essa qualidade se conseguiu apesar de, e não graças ao trabalho de direcção de Hartmut Haenchen.

    Este maestro iniciou o prólogo dirigindo com o fosso às escuras, para tal se valendo de uma batuta com um LED na sua extremidade. Tratou-se de uma opção gratuita pelo uso de um gadget, sem correspondência com o discurso musical ou cénico.
    A sua direcção caracterizou-se pela dificuldade em controlar a orquestra, que teve apesar disso um desempenho aceitável.

    Em resumo, fiquei com algumas ideias do que poderá um dia ser um Lohengrin contemporâneo encenado à luz da caverna de Platão.
    JAM

    ResponderEliminar