quarta-feira, 15 de outubro de 2014

IL BARBIERE DI SIVIGLIA, Opéra National de Paris (Bastille), 20/09/2014, texto de José António Miranda


(Fotografia Bernard Contant /ONP)

Il Barbiere di Siviglia, ópera em dois actos de Gioacchino Rossini está em cena na Ópera National de Paris (Bastille).
Libreto: Cesare Sterbini, segundo a comédia de Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais
Direcção musical: Carlo Montanaro
Encenação: Damiano Michieletto
Cenografia: Paolo Fantin
Roupas: Silvia Aymonino
Luzes: Fabio Barettin
Il Conte d’Almaviva: René Barbera
Bartolo: Carlo Lepore
Rosina: Karine Deshayes
Figaro: Dalibor Jenis
Basilio: Orlin Anastassov
Fiorello: Tiago Matos
Berta: Cornelia Oncioiu
Um oficial: Lucio Prete
Orchestre de l’Opéra national de Paris
Choeur de l’Opéra national de Paris  Dir: José Luis Basso
Produção: Grand Théâtre de Genève

Uma lufada de ar fresco esta produção do “Barbeiro” que a ópera de Paris foi buscar a Genève, O mérito é todo de Damiano Michieletto, o encenador, e este espectáculo confirma-o como um dos mais estimulantes autores do panorama operático europeu actual. Juntamente com o cenógrafo Paolo Fantin e a figurinista Silvia Aymonino, Michieletto consegue apresentar-nos a obra de Rossini como se estivéssemos a ver a ópera pela primeira vez.

                                             (Fotografia Bernard Contant /ONP)

E não é apenas o facto de ter transposto para a actualidade o tempo da acção, artifício vulgar nos dias de hoje, e nos apresentar como cenário uma rua de um bairro popular sevilhano, que fundamenta aquela sensação de actualidade. Em primeiro lugar, tudo aquilo que se passa em cena decorre a um ritmo vertiginoso que nos identifica de imediato com o estilo contemporâneo da vida urbana, e que é afinal o tempo da música rossiniana,

Para além deste facto, o sucessivo encadeamento de cenas da ópera, que nas versões cénicas tradicionais pode por vezes aparecer como um conjunto de números brilhantes colados uns aos outros por enfadonhas pausas de recitativos, surge aqui com uma fluência a que não estamos habituados no palco. Esta fluência resulta do tratamento cénico da obra: encenador e cenógrafo abordam a ópera numa perspectiva cinematográfica, e desse modo toda a acção ganha uma nova dinâmica adquirindo consistência e unidade globais.

                                           (Fotografia Bernard Contant /ONP)

Como no cinema, a montagem é aqui o elemento fundamental para a obtenção de uma coerência global da obra. Neste caso, a mobilização do cenário introduz uma terceira dimensão espacial na narrativa, que deixa de ser vista como um conjunto de quadros justapostos e surge como uma verdadeira sequência cinematográfica. A forma como encenador e cenógrafo conseguem este efeito demonstra, para além do domínio da habilidade técnica, grande inteligência. Esta revela-se em momentos brilhantes, como a encenação da famosa ária Largo al factotum como uma vertiginosa corrida por todo o prédio de Bartolo, como um verdadeiro plano-sequência de filme, ou a localização da ária La calunnia na passagem de um vão de escada, com a paralela ilustração contemporânea da chuva de tablóides que acompanha o seu final.

Também o desempenho cénico dos intérpretes reflecte a proposta do encenador e a sua perspectiva global da obra, num registo naturalista mais característico de alguma estética cinematográfica do que da convenção teatral. São deliciosas as cenas finais do primeiro acto, bem  como a utilização de um dos elementos da guarda para, antes do início da função, multar o teclista no fosso por desobediência.

A direcção de Carlo Montanaro, apesar de revelar por vezes alguma dificuldade em controlar orquestra e cantores, não obstruiu o brilho geral do espectáculo.

                                        (Fotografia Bernard Contant /ONP)

Dalibor Jenis fez um Figaro correcto, demonstrando que suporta muito bem a passagem do tempo. Já Karine Deshayes (Rosina), revelou-se um pouco velha para o papel. René Barbera, o conde de Almaviva, mostrou grandes qualidades vocais, mas menor capacidade cénica. Os baixos Bartolo e Basilio estiveram bem. Foi porém Cornelia Oncioiu, no papel de Berta, que brilhou no conjunto, pelo apogeu vocal e à vontade cénico exibidos. 
O jovem português Tiago Matos (Fiorello) confirmou tratar-se de um barítono a cuja carreira haverá que estar atento.

José António Miranda


Em nome dos “Fanáticos da Ópera” agradecemos a José António Miranda a sua óptima contribuição, esperando que esta seja uma primeira de várias que venham a enriquecer este espaço.

1 comentário:

  1. Parece muito interessante! O problema das encenações actualizadas é frequentemente a operacionalização e não o conceito. Eu próprio assisti a um Otello há 2 semanas cuja encenação tinha ideias de primeiríssima ordem mas a concretização estava muito fraca.

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